terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Control


Muita gente viu o filme dos Simpsons, aguardado há quase 20 anos. Curiosamente, a opinião de quase toda a gente é: “Não passa de um episódio mais longo”. Ao que eu respondo que isso não é obrigatoriamente mau, mas em última análise, estavam à espera de quê?

Algumas pessoas viram o filme Control, sobre a vida e morte de Ian Curtis, mítico vocalista dos Joy Division, banda emblemática do cenário Post Punk, que se enforcou aos 23 anos de idade. Não curiosamente, a opinião de quase toda a gente é: “É um filme muito cinzento”. Ao que eu respondo que isso não é obrigatoriamente mau, mas em última análise, estavam à espera de quê?

Um filme sobre os subúrbios de Manchester no início da era Thatcher, um filme sobre os Joy Division, um filme sobre Ian Curtis, dificilmente poderia ser pintado com alegres paletes, independentemente de quem realizasse o filme. Mas um filme sobre Ian Curtis realizado pelo fotógrafo/realizador de vídeos musicais holandês Anton Corbijn só podia mesmo ser cinzento. Relembremos que Corbijn não se limitou a capturar, no final dos anos 70, o mundo cinzento de Ian Curtis. Ele foi um dos principais impulsionadores do que se poderá chamar estética urabano-depressiva. Veja-se o clip de Atmosphere, de sua autoria.

Este belo filme, mais griz que o manicaistamente habitual preto-e-branco, é vagamente baseado em Touching from a Distance, o morninho e ambivalente livro de Deborah Curtis (que dizem as más línguas terá afirmado sobre o Control: “I fucking hated it!”). Poderá parecer bastante parado aos seus detractores, que afirmam que chegou ao ponto de dar uma imagem muito morta do Tony Wilson, que era tudo menos uma personagem apagada. Penso que todos concordamos que Tony Wilson foi alguém muito mais interessante e colorido que Ian Curtis, e que 24 Hours Party People é um filme muito melhor que o Control. Porém, é minha opinião que essa “mortificação” de Wilson é propositada, e causada por isso mesmo: pelo facto dele ter sido alguém mais interessante e colorido que Curtis. O filme não poderia sair nunca da órbita de Curtis.

E para mim, é aí que o filme ganha toda a sua beleza. Mais do que tratar da vida e morte de Ian Curtis (música, casamento, paternidade, adultério, ataques epilépticos, suicídio) e da história dos Joy Division; este filme trata de um triângulo, que ultrapassa os limites do amoroso e entra no campo das concepções de vida. O filme poderia haver-se chamado Deborah vs Annik.

Produto do seu meio sócio-cultural, Ian Curtis era uma pessoa simples, mesmo mesquinha e conservadora. Nesse sentido, Deborah era a incorporação de todos os seus pequeninos sonhos de classe trabalhadora: Girl next door, simples como ele, dócil e que votasse Tory por imposição do marido, casamento de sonho, filhos, um emprego estável, um pacato envelhecer nos subúrbios do Noroeste inglês.

Annik Honoré era o oposto, e o tipo de mulher a que Curtis só teria acesso pela via do estrelato. Estrangeira, exótica, continental (se é que um belga pode ser exótico), com um emprego emocionante de jornalista, livre-pensadora, uma mulher independente que consegue fazer-se notar num mundo de homens.

Em Maio de 1980, ciente do adultério, Deborah Curtis exige o divórcio. A imagem do casamento precoce e feliz derroca, e Ian Curtis, porque ele ERA tacanho e muito conservador, vê-se frente ao seu pior pesadelo: Divórcio. Surge o eterno drama pequeno-burguês inglês: “What will the neighbours think!?”.
Face a isso, e com a mente em erosão constante, Ian Curtis incapaz de lidar com os problemas e face a voos demasiado altos – “I will see you Monday” terá dita à banda no fatídico sábado que precederia a Tornee dos Joy Division nos EUA - realiza o que Tony Wilson uma vez chamou “o mais altruísta dos suicídios”.

Não concordo que tenha sido um acto de altruísmo, mas foi certamente o acto de desespero de alguém cuja ambição era muito pequena. Ícaro morreu porque sonhou sempre ir mais além. Ian morreu porque os factos ultrapassaram os seus sonhos.

Control não é o melhor filme de sempre. E Ian Curtis não era o melhor músico ou a melhor pessoa de sempre. Mas o filme retrata bem a ideia que muita gente tem sobre o imortal vocalista dos Joy Division. E quando em qualquer bar ou disco em qualquer parte do mundo o baixo de Peter Hook começar a tocar os primeiros acordes de “Love will tear us apart”, e pessoas de todas as idades, mesmo que tenham nascido depois de 1990 reagirem imediatamente, isso só vem provar uma das ideias mais batidas do mundo: “morre o homem, nasce a lenda”.

Cheers, Ian, wherever you are.

1 comentário:

Anónimo disse...

Caríssimo,

Sem querer ofender sensibilidades, tenho algumas correções a fazer:

1) O Anton Corbjin não trabalhava exclusivamente em 256 tons de cinzento, como prova o video cujo link providenciarei logo abaixo deste primeiro ponto. Aliás este mesmo video vai contra uns tantos estereótipos gós (que gó que é gó não gosta de praia, não gosta do Brasil e, sobretudo, que nunca usaria a touca tropical da Carmen Miranda). Ao contrário, o Anton Corbjin tinha, e tem, uma carteira de clientes que vão desde este Ian até o outro Ian.
link:
http://www.youtube.com/watch?v=zmzPrAbWuJQ

Só este link bastaria para provar uma tantas coisas, mas continuo.

2) A Annik (o nome dela deveria ser Anneke, mas enfim) trabalhava no consulado da Bélgica e, segundo outros testemunhos, fingiu-se passar por jornalista para conquistar o Ian Curtis. Coisas de groupies...

3) Uma bela citação é:
"Wherever you are, I hope you're singing now" - Morrissey, Late Night Maudlin Street (e já agora também deixo este belíssimo link):
http://www.youtube.com/watch?v=xIP7XGiDgkk

4) (off-topic) Se ao contrário da predição do Tony Wilson alguém um dia fizer um filme sobre o Morrissey, usará cores? E quem faria tal filme?