quinta-feira, 5 de abril de 2007

Febre de Sexta-Feira Santa à Noite: Uma haute-comedie Pascal em 3 Actos

Febre de Sexta-Feira Santa à Noite
Cenário: O Sub-mundo da Morte
Tempo: 33 DC
Personagens:
Jesus Cristo
Morte
Funcionário de Boas-Vindas
Secretária

Acto I

(Um escritório luxuoso de atendimento personalizado. O escritório está ricamente decorado, mas com bom-gosto. É funcional e de estética futurista. Das paredes cor-de-salmão pendem molduras com pinturas modernas. A meio do gabinete uma mesa de carvalho, com uma cesta de frutas, um PC, papéis rigorosamente ordenados e flyers com fotos e descrição de uma grande urbanização e área de lazer. Uma cadeira ergonómica forrada de brilhante couro negro de cada lado da mesa. Escuta-se o ligeiro zumbido de uma máquina de ar-condicionado, e a versão instrumental de “I will survive” de Gloria Gaynor.)
O funcionário está vestido com um elegante fato de executivo cinzento, é alto, anda na casa dos 30 e muitos anos, tem gestos e tiques efeminados).

Funcionário de Boas-Vindas: Bom Dia, Sr. Cristo. Em nome do Reino dos Mortos, deixe-me dar-lhe as boas-vindas e agradecer-lhe por ter escolhido os nossos serviços (Sorri, enquanto lhe entrega uma cesta de frutas). Por favor, aceite esta pequena oferta. Leve estas brochuras também, para verificar tudo o que temos para lhe oferecer, de forma a tornar a sua experiência post-mortem o mais prazenteira possível. Se me quiser acompanhar, poderemos começar a nossa visita guiada. Deixe-me só dizer-lhe que o senhor atingiu uma classificação notável nas nossas TMV (Tabelas de Mérito em Vida), ganhando como tal acesso imediato à zona VIP das nossas instalações. Aqui todos os nossos hóspedes são instalados na sua própria suite, com kitchnet, mini-bar, room service, tv com ecrã plasma, leitor de DVD, sistema de Home Movie…A suite é excelente, luxuosa, ampla e com uma vista (literalmente) celestial. Temos uma área de restauração onde se confeccionam todos os seus pratos preferidos sob a orienteção dos melhores chefs já falecidos. Uma grande área de lazer para as suas necessidades comerciais e de convívio, com toda a sorte de estabelecimentos, bares, discos, etc..
Ainda um enorme complexo gimnó-desportivo, com piscinas, jacuzzis, saunas, banhos turcos, ginásios…
E ainda um centro de apoio psicológico e espiritual, já que sabemos que muitas vezes a Morte induz-nos numa depressão. Uma vez que aqui funcionamos com uma concepção espaço-termporal diferente da sua, estamos abertos (literalmente) uma Eternidade, para o servir.
Tudo feito a pensar especialmente em si, de maneira a que a sua espera pelo Dia do Juízo Final se torne uma experiência única!
Jesus Cristo – Pá, eu estou para aqui a ouvir-te palrar, e em verdade, em verdade te digo…tu és chato que tolhe! Para ti posso ser um mero carpinteiro; a verdade é que não sei de tudo como o meu pai, mas não preciso de ter um MBA em Marketing ou Gestão Empresarial para ver que não me estás a vender o peixe da forma correcta. Moderniza-te, mano! Tanta paneleirice de tanta formalidade e lisonja barata…e tanto palavreado inútil! A cena agora é seres conciso, man! Com-ci-so. E usa uma linguagem mais colorida, muda o método, usa figuras de estilo, man! Metáforas, pá! Parábolas, de rico teor didáctico, breves e com força narrativa.
FB – Per…perdão, senhor! O nosso Departamento de Reclamações está sempre aberto, senhor! Daqui à eternidade.
JC – Pois…estou aqui a perder o meu aramaico contigo. Diz mas é como se dá a vaga daqui para fora?
FB – Perdão, senhor?
JC – Estás perdoado. E se Eu digo que estás perdoado…acredita, mano, estás mesmo! Dar a vaga, dar de frosques, dar o pira…Sair, pázinho! Quero voltar…upa…lá pra cima.
FB – Não vai ser possível, senhor…Repare que aqui tem todas as comodidades…
JC – Whatever. Onde está a porta? Ou vou ter que ir falar com as autoridades competentes?
FB – Hã?
JC – Quero falar com o Gerente desta merda, pá…
FB – (a tremer): Quer o livro de reclam…
JC – Não quero livro nenhum, pá! Que cepo! Tás-me a tirar do sério, gajo!
FB – Isso é altamente irregular…
JC – (já irritado) Dasse, que lá vem este gajo com estes rodriguinhos das autoridades e tal...Olha pá, isto é assim…telefona pró Big Boss desta merda e diz que quero falar com ele. Mais nada!
FB – Mas…
JC – (encolerizado) Meu amigo, o Pedro fez de conta que não me conhecia, o Judas traiu-me, o Pilatos cagou de alto, os Fariseus bem me foderam, os romanos fizeram-me num 8…e eu não me chateei! Tudo Zen comigo, pá! Mas agora…tu estás-me a chatear! Tecnocrata dum corno! Diz-me onde é a Direcção desta bosta e sai-me da frente, antes que a merda comece a cair para o teu lado. Eu tenho amigos, conexões e conhecimentos em sítios que nem imaginas. Olha, eu sou como o Dr. Bruce Banner...acredita, tu NÃO me queres ver chateado!
FB – (suspirando): Muito bem senhor, vou telefonar para a secretária da Direcção e dizer a que é que o senhor vai. Sobe neste elevador até ao 15º andar, 3ª porta à direita.
JC – Fixe! Tu és cool, bro…
FB – (hesitante): Senhor!
JC – Tu o disseste, man! Fala!
FB – O senhor desculpe…Afinal a Maria Madal…
JC – Nem vás por aí! Se pensas que vou estar para aqui a falar da minha vida privada com um cromo todo pipi cujo único livro que conseguiu acabar foi aquela palhaçada do Código não sei de quê, pensas mal mano.
FB – (a suar): O senhor desculpe!
JC – Ámen, Bro!

Acto II

(Um pequeno escritório extremamente minimalista, asséptico e branco. Uma secretária com 20 e poucos anos, extremamente atraente e loura, vestida de branco sentada a uma mesa branca só com um telefone. Branco).

JC – Yo, tudo!?
Secretária – Boa tarde, Sr.…
JC – Jesus! Mas antes que venhas com essa graçola idiota, não, não sou mexicano nem porto-riquenho! (sorri). Sou judeu.
S – Diria que é sueco…
J – Isso é porque me vês como os pintores da Renascença. A raça nórdica como ideal da beleza estética, e por conseguinte da bondade encarnada. Uma volta à Estética Grega se quiseres. Sou o Sr. Cristo. Mas podes me chamar de Nazaré J (sorri).
S – Entendo Sr. Cristo. Peço desculpa, mas a Dr.ª Morte está numa reunião e é capaz de demorar (literalmente) uma eternidade.
JC – Uou! Pára tudo. É uma mulher?
S – (friamente): Algum problema?
JC – Na boa! Curto tótil gajas, miga! Pensei que fosse um gajo, é só isso.
S – A Morte é uma entidade assexuada. Porém como estamos a falar numa língua latina, é uma figura feminina. Nas línguas germânicas é que é representada por uma entidade masculina.
JC – Assexuada!? Não é boa cena! Mas olha, tudo Zen na mesma. MAS vou ter mesmo que interromper a reunião. É uma cena importante, mana!
S – Acredito, senhor. Mas não o posso ajudar. Quer voltar daqui a 5 mil anos?
JC – É assim, hei-de voltar, sim, mas ainda não sei quando. Tudo o que sei é que de momento tenho a máxima urgência de falar com a D. Morte.
S – A DOUTORA Morte está indisponível, senhor Cristo. Além que é quase fim-de-semana. O melhor será o senhor voltar na Segunda-Feira.
JC – (a ficar irritado): Olha-me outra! Minha amiga, como eu já disse ao panasca do teu amigo lá das Boas-Vindas, isto é urgente, urgentíssimo, urgentérrimo! Qual 2ª-Feira, qual carapuça! Trata-se de uma questão de (LITERALMENTE) Vida ou Morte! 2ª Feira já tenho que estar lá a andar por cima outra vez. Se não, o Plano não funciona.
S – (hesitante) Plano?
JC – Ihhh, que fui dizer!? Isso é muita areia para a tua camioneta, mana! Tem a ver com a salvação do Homem e por aí. Sê sincera, eu sei que ela está lá dentro. Sê boazinha e diz que o Filho de Ela-sabe-quem quer falar com ela.
S – A Drª Morte não deseja ser incomodada, senhor! Lamento.
JC – (Piscando-lhe o olho!) Faz-me só um favor, linda. Leva-lhe a minha ficha e se ela quiser falar comigo, agradecia.
S – Certamente senhor. (ausenta-se durante 10 minutos).
S – A Dr.ª vai recebe-lo agora!
JC – Bigado, linda! Fico-te a dever uma! A sério fico mesmo a dever-te uma!
S – (friamente): Não será necessário, Senhor. Não preciso de tocar nas suas "chagas" para acreditar. Agradecia mesmo que deixasse de me chagar....
JC - (para com os seus botões): Não sei se ela está morta da cabeça aos pés. Mas da barriga para baixo está de certeza…

Acto III

(Um grande escritório executivo, com uma grande janela com vista sobre uma elegante e atarefada paisagem cosmopolita de uma qualquer metrópole. Assim a modos Manhattan pré 11-S. Escritório luxuoso, a transpirar sucesso, com várias estantes de, uma enorme mesa de reuniões e outros adereços. Cenário atraente, funcional e com um subtil retoque feminino. A cor predominante não é um previsível negro, mas um bordeaux algo descaído. A Morte é uma atraente mulher perto dos 40, com um corpo tonificado diariamente no Ginásio. De longos cabelos negros (ok, podem ser negros), vestida de forma sóbria, mas ainda assim atractiva).


Morte – Ora finalmente conheço o menino! Têm-me falado muito de si. Sente-se, sente-se.
JC – Yo, OK.
M – O menino tem amigos importantes. Normalmente não tenho tempo para receber…não tenhamos medo das palavras…cunhas!
JC - …
M – Sim! Estive a ver o CV do menino (lê o CV). Yeshua Ben Youseff, AKA Jesus Cristo, Jesus, Cristo, Nosso Senhor, JC, Filho de Deus, Filho do Homem, Salvatori Mundi…33 anos – portanto teve uma Eu recente e precoce – carpinteiro, pregador, profeta, Messias, agitador social – inimigos influentes – uma Eu macaca na Cruz. Ou seja, o menino é de boas famílias mas é um rebeldezinho, verdade?
JC – Yo, mana, isso não é cool.
M – Pois, tinha idade para ter juízo. Cortar esse cabelo…não fumar tanta ganza, arranjar um trabalhinho honesto, casar-se lá com aquela rapariga decente...
JC – (irritado): Deixe lá a Lenita sossegada…
M – Sim, muito Rebel without a cause…mas quando a coisa está feia…toca a chamar o papá e pedir a ajuda do papá e dos contactos do papá…
JC – Isso não é cool, linda.
M – Não fume tanta substância ilegal, menino. Isso faz-lhe mal aos neurónios. Está a repetir-se. Ora, se bem me lembro, não é a primeira vez que o Sr. me vem apoquentar.
JC – Não entendo.
M – “Lázaro. Levanta-te e anda Lázaro!” Ring a bell!?
JC – Não me lembro. Só me lembro que o Lázaro fazia uma bela sandwich de kebab de carneiro em pão pita, e eu estava com os munchies e…
M – Evite fumar…já lhe disse.
JC – Pois…mas eu tenho que voltar à Terra.
M – Diga ao seu paizinho, pelo amor Dele, que tenha paciência. Mas não pode ser.
JC – Minha amiga, qual é o problema?
M – É errado abrir excepções. As pessoas podiam falar.
JC – (sorri): Não seja por isso! O meu pai é dono desta merda toda! Que importa o que pensem?
M – Por isso mesmo. Há que dar o exemplo! E afinal, que quer ir fazer lá acima?
JC – Linda, isto é importante. Sem isto a História não funciona. E a história tem que funcionar. É verdade que muita gente pode vir a matar e a morrer em meu nome…
M – (friamente) Pois, mais trabalho para mim!
JC – É verdade que muita mal se pode vir a fazer, mas durante milénios também muito bem se vai fazer. E nesse período de tempo muita gente, gente Zen, vai encontrar na História auxílio e conforto em tempos difíceis, quer ela tenha acontecido ou não. Porque muitas vezes uma Esperança, por fugidia que seja, pode ser o que nos ajude a passar um mau dia ou uma má noite…E além disso…
M – (compenetrada): Estou a ouvir.
JC – Quero fazer isso por mim também, sabe? É que o meu dia de anos já está a perder o significado. Todo aquele comercialismo…como posso competir contra o Pai Natal e a árvore? Agora na Páscoa…acho que ainda aguento contra uns coelhos com uns ovos de chocolate, e uns pintinhos (pisca-lhe o olho).
M – O menino fala que nem um doutor!
JC – Chama-me Nazare J!
M – Ok…Nazare J. Convenceste-me. E o que é melhor, sem recurso a parábolas!
JC – I rule!
M – Talvez possa fazer o favor. Vou tratar da papelada. Pode é demorar uns 2 dias. Domingo ao fim da tarde já te dou os papeis de alta.
JC – Obrigado! (hesita): Fazes alguma coisa este fim-de-semana?
M – (admirada): Não estás comprometido?
JC – Tou, e eu curto bué a Lenita. Mas lembra-te, até Domingo para todos os efeitos estou morto.
M – Acho que isto pode ser o princípio de uma grande amizade.

(Pano).

4 comentários:

Nórdico disse...

hehehehhe ... muito bom .

Anónimo disse...

Mas que espetáculo. Quando é que levas isto a cena :). Está mesmo muito bom.

Precious disse...

Muito bem. E para quem gosta da figura da Morte em textos cómicos, aconselho os livros do Terry Pratchett.

Anónimo disse...

1 paiva por dia dá saude e alegria hihihi

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