A falsidade humana é uma questão relativa. Muitas das pessoas que dizem mal de nós pelas costas demonstram-nos isso, tácita mas claramente pela frente, afectando sorrisos e proferindo frases tão desprovidos de sentimento e significado que chegam a ser burlescas e quase caricaturais. A hipocrisia gela-me o sangue. Tenho a certeza que muita gente que anda por aí, escarrando-nos na cara com os seus modos e sorrisos gentis se fossem esborrachados contra uma parede iriam deixar uma grande mancha de um sangue-baba-pus esverdeado como se de uma barata se tratassem.
Alguns de nós sabem disfarçar melhor ou pior a nossa hipocrisia; mas a verdade é que seria hipócrita da nossa parte recusar a nossa quota-parte de hipocrisia, a necessidade quase primordial que temos por vezes de ocultar ou condicionar os nossos sentimentos, sacrificando-nos no altar das convenções sociais ou na manutenção de uma paz podre.
A hipocrisia não é um estado de espírito, na maior parte dos casos. É um sub-produto do sentimento que emana da característica verdadeira da mentira. A mentira não existe no momento. A hipocrisia sim. A mentira realmente não existe, se pensarmos bem. É um conceito aplicável a médio/longo prazo. Para os interlocutores a mentira é a verdade no próprio momento em que é proferida - ou ocultada - consciente ou inconscientemente por um deles ou por ambos. Vivemos a mentira como um facto que cremos - e por vezes queremos - como certo. Mas o que é certo não o é para sempre; pois o Homem não é para sempre, os seus sentimentos e relações e gostos e desgostos não são eternos.
Dessa característica humana finita nasce por vezes uma nova ordem que nos leva a adoptar em público comportamentos contrários aos nossos sentimentos, de forma a não criar situações constrangedoras. Por mais que isso nos custe. E custa sempre, sentir uma vez mais a estrutura sócio-cultural do Nós a esmagar o Eu. Mas tememos menos irritar a nossa auto-estima que não sermos aceites.
A hipocrisia torna-se portanto um instrumento social e um mal humano necessário; mas todos os excessos são contrários à natureza.
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