Quem esteja familiarizado com a obra filosófica de Friederich Nietzsche, sabe que um dos autores que ele cita recorrentemente é François de La Rochefoucauld, pensador e moralista francês do século XVII.
Ao lermos o livro de La Rochefoucauld, “Máximas”, entendemos porquê.
“Máximas” é uma colectânea de aforismos breves e pensamentos concisos (género muito comum, aliás, no século XVII. Veja-se “Pensamentos” de Blaise Pascal e “A Arte da Prudência” de Baltazar Grácian). As “Máximas” versam sobre o Eu, e a forma como o Espírito, os Humores e sobretudo o Amor-Próprio do Eu influenciam a nossa atitude face à Vida (as relações que estabelecemos, o Amor, a Amizade) e face à Morte.
Apesar de La Rochefoucauld não ter face à moral ocidental uma visão tão fria e negativista (eu uso estes adjectivos com reservas…porque inserir Nietzsche na Escola Niilista do século XIX é para mim um erro comum e algo grave) como Nietzsche, a verdade é que o seu livro e os seus pensamentos de certa forma podem ter influenciado as obras tardias do filósofo alemão, mormente “Genealogia da Moral”, “Para além do Bem e do Mal” e “O Anticristo”.
O pensador francês afirma que toda a relação humana é produto de uma relação de poderes. Que o Amor, a Amizade e a própria Bondade têm um forte teor egocêntrico, que o bem que fazemos aos outros é antes de mais uma expressão do nosso Orgulho, que inflama dessa maneira o nosso Amor-Próprio. Que alguns vícios são melhores que algumas virtudes. E mesmo que o grande Mal forja grandes homens. Ou seja, na sua opinião, actos aparentemente altruístas e desinteressados têm na sua origem uma tendência egoísta, no sentido em que colocamos os outros sob o nosso poder, quer seja através do Amor, da Amizade, da Gratidão.
Eis de forma sucinta a crítica da moral nietzschiana. Eis a Vontade de Poder.
A obra de François de La Rochefoucauld também se debruça sobre a forma como duas forças, não raro antagónicas, Mérito e Fortuna determinam o nosso posicionamento social; sobre o medo vs o desprezo pela Morte; sobre a crítica social às famosas coquetes parisienses.
La Rochefoucauld não tem o reconhecimento de que gozam grande parte dos pensadores e filósofos francófonos dos séculos XVII e XVIII. Não tem as preocupações sociais nem as pretensões sociológicas de um Rousseau, não tem a desarmante e refinada ironia de um Voltaire, não tem a associação de uma alma piedosa a uma mente incrivelmente lógico-matemática de um Pascal. As “Máximas” não têm a relevância contemporânea de, por exemplo, as “Cartas Persas”, a meu ver a obra maior de Montesquieu (neste tempo de “Guerras Civilizacionais” faz bem ler “Cartas Persas”, onde, usando de forte imaginação e de uma boa capacidade narrativa, Montesquieu descreve o Ocidente visto pelos olhos de uns nobres persas a viver em Paris. Uma leitura mais agradável e fácil que a daquela que é considerada a obra-prima de Montesquieu, “O Espírito das Leis” – sem desprezar o seu interesse para a História em geral e para a do Direito em particular, “O Espírito…” são maçudas, largas centenas de páginas que se resumem a esta ideia geral final: “A História explica-se pelo Direito, que se justifica pela História”).
Porém, a obra de La Rochefoucauld, e se excluirmos a misoginia própria da época, não deixa de expressar pontos de vista válidos, interessantes, e que mesmo sendo o reflexo do seu tempo, do seu país, e do seu meio não são totalmente descabidos fora desse contexto espaço-temporal.
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1 comentário:
Não conhecia ... vou ver se encontro essas máximas que me parecem deveras interessntes.
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