terça-feira, 17 de julho de 2007

Fila

Vede! Uma longilínea cadeia de ADN estende-se preguiçosa e lenta pelos poucos metros que separam um qualquer balcão de atendimento da porta de saída.
Eis-me no meio, reduzido a não mais que mero elo daquele bio-organismo pluricelular chamado fila. Sou a mais irrequieta e impaciente unidade, enfurecido pelo tempo que estou aqui a desperdiçar. Posso estar a meio da fila ou ser o último…o que virá após de mim não me apoquenta. - Excepto quando sou o último e sou assaltado por pessoas ignorantes ou que passam por o ser, tratantes que me perguntam com ar estúpido. “O Sr. desculpe, está à espera”, como se a pública demonstração da sua real ou simulada estupidez fosse o bastante para os deixar passar à minha frente.
Porém as pessoas que estão à minha frente são todas minhas inimigas figadais, deliberadamente empenhadas em fazer ruir os meus planos imediatos, ou pelo menos forçar-me a esperar ainda mais do que o necessário, testando ao limite a minha – já de si breve – paciência.
Tento passar o tempo com patetas jogos mentais. Conto e reconto as pessoas que estão à minha frente, faço na minha mente cálculos inúmeros para atingir uma estimativa do tempo em que me levarei a ver livre, estimativa que sempre peca por um enorme defeito. Grande fonte de stress, as unidades bi ou multi-polares. Quando à mnha frente estão 2 ou 3 pessoas que estão nitidamente juntas, sofro horrores ao imaginar se cada uma delas requer atendimento ou não. Masoquistamente, imagino que uma dessas pessoas não estava à minha frente, que aproveitou uma desatenção minha para falar com um familiar ou amigo usurpando uma posição na longa fila.
Tento descontrair-me. Crianças na fila. Adoráveis criancinhas pequenas. Não me importo de me distrair com as suas momices. Mas escutá-las, aos seus berros e espectáculos egocêntricos…sinto como se estivessem a arranhar um quadro negro com unhas-garras bem no fundo do meu cérebro.
Cada pessoa à minha frente é um inimigo obrigando-me a perder tempo. Quando são atendidos, fazem todos questão de adiar a sua libertação do jugo da fila…aumentando os seus problemas, levantando questões…tudo isso, sei-o bem, para me obrigar a permanecer mais tempo na fila! Na claustrofóbica, bafienta fila. Quando parece que vão finalmente sair, lembram-se de mais perguntas, ou tentam entrar em conversa informal com o caixa/atendedor. Quando ainda estou longe do balcão, não sinto que esse comportamento seja para me prejudicar pessoalmente…quem é atendido gosta de se fazer esperar, de ser a estrela do momento, de prolongar o seu curto reinado. Querem fazer esperar os papalvos que lhe estão atrás, e não sou eu mais do que uma entre as muitas vítimas de circunstância. Mas, à medida que vai chegando a minha vez, o caso torna-se pessoal…o meu ódio pelo que está a ser atendido cresce proporcionalmente a certeza que cada segundo extra que poderia ser poupado, cada questão irrelevante que formula…faz tudo parte de uma trama cujo primeiro e único objectivo é minar o pouco que sobra da minha outrora altaneira paciência. Ou talvez não seja isso..talvez essas pessoas queiram sair daqui tão depressa quanto eu, voltar a ser seres humanos livres. Porém talvez ali o conjunto de pessoas não tenha vontade própria. Talvez não sejamos mesmo, como afirmei ao início, mais do que meros núcleos soltos que convergem sinergicamente para a criação de um ser vivo – a fila – que guiado pelo seu irracional instinto de sobrevivência tenta evitar o mais que pode a debandada dos seus órgãos vitais…Mas eis que sou atendido, a minha humanidade recuperada, e volto a sentir na cara o leve beijo da brisa suave de Verão.

1 comentário:

Anónimo disse...

MAGNIFICO !!!!!!!!!! MAS PODIAS TER DITO "BICHA" EHEHHE .Uma fila sera quando se colocam as pessoas uma ao lado da outra mas todas viras para o mesmo lado tipo tropa !!!! é esta a diferença entre fila e bicha. senão é, faz de conta !!!