terça-feira, 31 de julho de 2007

Viajar no Metro do Porto é uma experiência Kafkiana (parte 2 de 5)

2. Entrou ainda com o café na mão, embora fosse expressamente proibido comer ou beber a bordo. O metro partiu antes dele ter tempo de se sentar nos bancos compridos laterais. Como resultado, metade do conteúdo do copo de plástico caiu-lhe nas calças, queimando-o ligeiramente, e no solo da carruagem. Irritado, José K. tenta-se limpar quando aparece o mesmo segurança alto, esguio de bigode grisalho e cruéis olhos azuis, lhe põe a mão no ombro e censura-o em voz alta como a uma criança.

-É por isso que é proibido comer e beber no Metro.

E vira-lhe as costas novamente. Desarmado e humilhado, José gagueja, e irreflectidamente faz tenção de mostrar o bilhete ao segurança. Virando-se novamente para ele, o “camisa castanha” disse:

- Meu amigo, não me elogie. Já lhe disse que não sou mais do que um mero "camisa castanha". É tudo o que sou ou poderei ser. Mas que seria de Die Metro von Porto sem nós? Mas já o avisei. O seu comportamento está a ser altamente reprovável. Agradeça não estar aqui nenhum “camisa azul”. Não seria agradável para si.

E a singular figura desaparece. K. sentiu-se angustiado. Sentiu-se perdido, cheio de angst. O quanto essa figura autoritária, que ora o desprezava, ora o humilhava em público lhe lembrava do seu próprio pai!
Perdido nos seus pensamentos, José K. mal notou no jovem magro e louro que se sentou a seu lado:

- Tem que ter cuidado, amigo. Por qualquer pequena falha, eles estão por cima de nós.

O jovem revelou chamar-se Otto, e vangloriou-se de ser paquete e contínuo em Die Metro von Porto!
José K. apresentou-se, e intrigado, perguntou como Otto tinha conseguido esse pequeno, e no entanto admirável emprego.
Otto disse que foi por piedade de Die Metro von Porto!

- Uma vez eu, os meus pais e as minhas irmãs Milena e Dora fomos à Loja do Cidadão para requerer uma mudança de BI. Depois de horas perdidos nos labirintos e lamaçais burocráticos dessa organização monstruosa, por fim dirigimo-nos para a Estação Estádio do Dragão, e queríamos ir para a Estação Fórum da Maia. Vimo-nos perdidos numa plataforma rodeada por 2 ou 3 linhas, e sem a menor ideia sobre que veículo tomar, uma vez que, na que deveria ser uma das principais estações, não havia nem um único mapa, embora houvesse 3 ou 4 máquinas de comes e bebes. Voltar para acima não era uma opção, visto que só havia 2 escadas rolantes, ambas para descer, e nenhuma forma para voltar ao conforto e ao ar livre. Perguntámos a um “camisa castanha” qual o comboio a tomar, mas ele remeteu-se ao silêncio. Disse que não era da sua competência dar informações, e que poderia ter problemas se fosse visto a falar connosco. Por fim tomamos o primeiro metro que chegou, mas lá dentro, apareceu um “camisa azul” que nos pediu os bilhetes. Quando lhe entregamos, começou a bradar: `Infâmia!´. Logo uma multidão nos cercou. O “camisa azul” disse que estávamos com um grave problema. O meu pai perguntou-lhe se a zona não estava correcta. Ele respondeu que sim. Perguntamos se não estávamos dentro da hora à qual temos direito, desde a validação do bilhete a viajar quantas vezes quisermos dentro dessa zona. Ele disse que sim. Por fim declarou que, na Estação Central da Trindade, deveríamos validar e re-validar o título quando e sempre façamos transbordo. Seguiu-se uma multa muito pesada, após um lento e complicado processo que minou a saúde de meu pai, e fez-nos perder a casa, os empregos e os amigos. Por fim foi-me oferecido esse pequeno emprego por Die Metro von Porto, de forma a permitir-me manter a minha família.
Die Metro von Porto tem sede na Avenida dos Aliados, ao lado da Burgomestria. Lá eu faço pequenos serviços variados que me são dados por funcionários menores. O director-geral é o senhor Claus, mas eu nunca o vi. Aliás, quase ninguém viu alguma vez o senhor Claus ou sabe sequer qual a sua aparência. Diz-se que só o Burgo-Mestre o conhece. As suas ordens só indirectamente me chegam. Lá também se vê alguns “camisas castanhas “ e “camisas azuis”, além de um vasto número de faxineiras.
A única pessoa que conhece Claus é Frida. Frida é uma ex-faxineira que se tornou amante de Claus. Agora ela é chefe dos serventes e é ela responsável pela gravação daquela voz irritante bilingue: `Próxima Paragem…Trindade! Next Stop…Trindade! A próxima Paragem…Trindade tem conexões com autocarros! The next Stop…Trindade has conection with buses !´

Intrigado com o que ouviu, José K. pediu o telemóvel do jovem. Tinha um tio advogado que talvez pudesse interceder…

- Oh não, sr. K. Sou muito feliz assim e só tenho que obedecer a Claus e a Die Metro von Porto !
Não há outra maneira, e porque deveria haver?

2 comentários:

Adriano Rocha disse...

Melhor, talvez e apenas metamorfose de kafka.

Sem mais palavras.

Adriano a.k.a Jimi

kimikkal disse...

Lindo, agora a minha vida serve de conto kafkiano.

ass: José K.